domingo, 27 de janeiro de 2008

O Fetiche na Publicidade

Como um produto de consumo pode suprir uma carência emocional?

Fetiche

Esta é uma palavra derivada do latim. Em sua forma original, factitius. Em português, feitiço. O termo foi usado pela primeira vez por exploradores portugueses para designar objetos venerados pelos povos africanos.
Pode-se dizer que uma das principais funções do publicitário é a criação de necessidades e muitas vezes a necessidade é transformada deliberadamente por ele em fetiche. Ou seja, um encantamento que transporta uma carência emocional para um objeto, substituindo o todo por uma parte.
Marx usa o termo fetichismo para designar a necessidade criada pelo capitalismo, o desejo insaciável pela posse de objetos. Ele descreve como os objetos do cotidiano tomam a mesma forma e significado das peças adoradas em cultos religiosos. Aqui, o valor atribuído aos objetos tem função de aceitação social.
Segundo Marx, todo produto de consumo já nasce com um fetiche associado a ele que seria a compensação da auto-alienação. O trabalhador não leva o fruto de seu trabalho com ele e sofre a frustração do trabalho sem recompensa. Então, ao comprar um objeto ele sente que conseguiu o resultado desejado.
Quanto mais trabalho é aplicado na fabricação de um produto maior será seu valor social porque não compramos apenas uma peça de vestuário ou uma ferramenta útil, compramos o trabalho de alguém.

“(...) para encontrar uma analogia, devemos entrar nas zonas nebulosas do mundo religioso. Nesse mundo, os produtos do cérebro humano parecem ser figuras autônomas, dotadas de uma vida própria, mantendo relações uns com os outros e com os humanos. Assim acontece no mundo mercantil com os produtos da mão humana. Chamo a isso fetichismo, fetichismo que adere aos produtos do trabalho logo que eles são produzidos como mercadorias, e que, por isso, é inseparável da produção mercantil.” (Marx, Karl, O Capital.)

No mundo da psicologia, o sentido de fetiche toma uma conotação diferenciada. Segundo Freud, é a substituição de um desejo sexual pelo objeto associado a esse desejo. Freud demonstra em seu livro “A Psicopatologia da Vida Cotidiana” a forma como essas associações podem interferir na subjetividade de um indivíduo saudável.
A psicologia explica a forma como a publicidade trabalha para atingir essa subjetividade. Todos nós somos capazes de discordar de informações polêmicas, mas a publicidade dribla nossas resistências apresentando quadros tranqüilos e perfeitos, livres de problematizações. Esses quadros devem possuir verossimilhança para que o público-alvo possa se identificar com a situação. Essas fórmulas desarmam o receptor da mensagem e sua subjetividade é, então, capturada.

Simbolismo

Durkheim estudou a maneira como os símbolos surgem e regem a sociedade analisando o surgimento da religião. As principais regras sociais encontram ai sua origem. O homem cria uma figura para ilustrar sua força e as forças da natureza, mas com o passar do tempo as associações ligadas a essa figura se tornam tão fortes que ela cria uma vida própria, ela se torna um símbolo e esse símbolo passa a guiar as ações do homem.
A sociedade funciona pela coerção. Atos cometidos contra a sociedade são chamados crimes e são punidos. A coerção é feita através de uma pressão consciente e gera a repressão.
Segundo ele, a normatização, sociabilização, adequação e os hábitos sociais são importantes para minimizar os conflitos. No entanto esse processo eleva a competição, o que causa o desânimo do indivíduo. “A minha aspiração é muito diferente do que eu recebo.”
Entre os itens normatizados pela sociedade situam-se o incesto e o adultério. A proibição dessas práticas é importante para a sociedade uma vez que o incesto enfraquece a sociedade geneticamente e consiste em um tabu e o adultério gera conflitos de posse e patrimônio. No entanto, Freud explica que essas restrições de comportamento, em particular a privação de desejos sexuais, muitas vezes inconscientes, criam uma carência afetiva no ser humano. Essa carência é chamada de recalque.


Sublimação

Sublimar, ou seja, transformar um desejo não aceito socialmente em uma prática positiva e construtiva é fundamental para o desenvolvimento psicológico do ser humano. Somente com a sublimação do Complexo de Édipo o homem é capaz de se tornar um adulto maduro, independente e seguro sexualmente. O mesmo vale para a mulher com relação ao Complexo de Electra.
A publicidade dá vazão a essa sublimação transferindo esses desejos para a aquisição material e uma das técnicas usadas é a criação de fetiches.
Usando como exemplo os comerciais de cerveja, nós podemos observar essa idéia na prática. As campanhas associam exaustivamente a imagem de mulheres jovens e atraentes à bebida, de tal forma que a cerveja se torna a mulher. Assim, um homem, com recalque inconsciente em relação ao adultério, bebe a cerveja e tem seu desejo sublimado de maneira satisfatória. Os padrões sociais não são quebrados e o desejo é satisfeito.

Reificação

O efeito colateral na criação desse fetiche é a reificação da mulher. Da mesma forma que a cerveja se transforma na mulher na subjetividade masculina, a mulher também se transforma na cerveja. A doutora em sociologia Berenice Bento escreve em artigo para a revista Veja:

“Todos os comerciais são de cervejas diferentes e estão sendo exibidos simultaneamente. Nesses comerciais não há metáforas. A mulher não é “como se fosse a cerveja”: é a cerveja. Está ali para ser consumida silenciosamente, passivamente, sem esboçar reação, pelo homem. Tão dispensável que pode; inclusive, ser substituída por uma boneca sirigaita de plástico, para o júbilo de rapazes que estão ansiosos pela aventura do verão.”


Conclusão

Não tenho a intenção de tecer comentários pessoais sobre o assunto. Só posso concluir informando que a prática do fetichismo na publicidade funciona. Segundo informações do Sindicato da Indústria da Cerveja (Sindicerv), o consumo de cerveja do brasileiro aumentou. Em 2004 o consumo foi de 46,6 litros/ano per capita, e em 2005 de 48,6 litros/ano no Rio e em São Paulo, ou seja, os principais pólos consumidores.


Bibliografia

http://www.odebate.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=2194&Itemid=90

Marx, Karl, Miséria da Filosofia. Rio de Janeiro: Leitura, 1965. P 104 – 179

Marx, Karl. O capital. São Paulo Edições e Publicações Brasil Editora S. A.

Freud, Sigmund, Psicopatologia da Vida Cotidiana. Rio de Janeiro Zahar Editores

Psicologia Institucional e Processo Grupal
Bahia Bock, A.M. Psicologias. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

Durkheim, Émile. O Suicídio

2 comentários:

Anônimo disse...

O texto em si é mto interessante, só acho que a conclusão ficou um tanto vaga e simplista, pelo fato de associar a influência do fetichismo publicitário no crescimento da vendas de cerveja do mercado brasileiro. Creio que isso é um fator um tanto quanto insignificante nessa questão, outros motivos são muito mais relevantes para justificar o crescimento das vendas, poderia aplicar outros exemplos mais concretos e influentes ao assunto do texto!
Mto interessante a analogia do simbolismo sexual de Freud ao fetichismo.

* disse...

Gostei muito do texto. Apresentarei um trabalho na faculdade sobre Fetiche na Publicidade e estudei muto O Capital. Sou aluna de Publicidade aqui de Mananus.